Liberdade, fraternidade e muitos beijos
- Arnaldo Recchia
- 7 de set. de 2020
- 3 min de leitura

Com o passar dos anos as memórias podem ficar um pouco empoeiradas nos arquivos amontoados. Entretanto, algumas insistem em não se perder, em não caírem no mero arquivo de coisas vividas.
É mais ou menos assim que reservo as memórias do ano 2011. Um ano que substituiu o verbete de intensidade no meu dicionário mental. Lembro de dias nublados, lembro da garoa e do pôr do sol que vinha na sequência. Como uma tela que surgia em presente para findar os dias especiais, em que o meu fiel escudeiro – um Corsa Wind branco – recebia uma visitante.
Ao lembrar do Corsa, é justo trazer o apelido dele neste texto. O saudoso ‘Kinder’. Era um envolvimento de simbiose entre o Kinder, eu e a rádio Atlântida, meu local de trabalho à época. E tudo começou com uma carona. Saindo da rádio, alguém esperava por um ônibus que, naquele dia, divinamente atrasou demais. “Vai onde? Tem carona?”.
O mais engraçado é que ela não aceitou a carona. Mas foi o suficiente para quebrar o gelo e poder conversar algo não profissional com ela. Alguns dias depois, precisamente no final da manhã do dia 14 de julho, surgiu um tuíte com um convite/queixa aberta ao mundo. “Alguém é parceiro(a) para comer um xis gigante?”. A partir da leitura desta proposta, aquela quinta-feira se transformou.
Não o convite não era pra mim. Mas eu fiz ser. Respondi e fui o único a responder que sim. Afinal, era quinta-feira. E só os guris da Atlântida tinham disposição de almoçar loucamente em dias de semana. Em outro texto explico isso, talvez.
Daquele xis, os encontros em caronas se tornaram naturais. O Kinder passou a ter um estoque inesgotável de balas de amendoim e permanecer constantemente limpo. Os papos e o pôr-do-sol se tornaram mais intensos até que o final de semana do dia dos pais pareceu ser uma oportunidade interessante para um jantar.
Uma correria sem precedentes para preparar o apartamento (depósito de um solteiro que vivia a efervescência da vida jovem e noturna, coloque como aditivo o meu trabalho, que orbitava essa realidade). Enfim, aquelas combinações cósmicas permitiram arrumar a casa e preparar um risoto de salmão (a ideia era surpreender). Tudo isso num intervalo de 30 minutos com um deslocamento de quase 20km de ida e volta.
A noite daquele sábado teve tensão e filmes não assistidos. Algumas preocupações que merecem ser aludidas num próximo texto. Todavia, foi no dia 13 de agosto que surgiu o primeiro beijo.
O processo de transformar aquele beijo em algo corriqueiro e enfrentar o público foi algo delicado, pois suscitava alguns comportamentos mais belicosos por quem não, digamos, apoiava muito a ideia. Salvo engano “eu não quero saber desse cara aqui tão cedo”, foi uma frase proferida sobre mim, em certo momento. Dali em diante, nossos fins-de-semana se revezaram em festas-trabalho e programas de casal com os clássicos filmes, doces e divagações.
Mas não éramos nada em oficial. E foi numa véspera de quarta-feira, na madrugada que iniciava o 07 de setembro de 2011 que decidimos por bem comum que éramos namorados.
Lembro bem da teoria. Organizei os meus pensamentos e defendi que o primeiro encontro havia sido no dia em que se celebrava a queda da Bastilha. O primeiro beijo, no dia da construção do muro de Berlim. Nada mais justo que o movimento de liberdade ao qual nos propomos fosse no dia da independência. “Depois de tantas adversidades, o nosso dia terá rojões, tropas em desfile e muitas pessoas celebrando um feriado nacional, em nossa homenagem pela nossa independência de estar juntos”.
Já são nove anos desta decisão. Muitas outras histórias surgiram daquele dia até aqui, tantas outras estão por vir. Mas estes três dias históricos foram resinificados em beneficio próprio.
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